quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Direitos sociais e contas nacionais. Uma análise comparativa. Entrevista com Guilherme Delgado
A notícia veiculada na última semana, de que os gastos com juros do setor público é 13 vezes maior do que orçamento do Bolsa Família para 2010, levantou algumas questões sobre as políticas de direitos sociais e as contas nacionais de produto e renda. No entanto, segundo o economista Guilherme Delgado, em entrevista concedida à IHU On-Line, por telefone, a informação foi magnificada em função da propaganda que se faz do Bolsa Família. "A dívida pública está vinculada aos aplicadores financeiros em títulos. São as pessoas que têm riquezas suficientes para aplicar e fazer essa operação ser objeto de uma rolagem por parte do governo. Não é um gasto social que vá repercutir do ponto de vista de massas urbanas e rurais", apontou ele.
Delgado comparou o peso dos direitos sociais medidos pelas contas nacionais de produto e renda, observou a representação do superávit primário e dos juros no Produto Interno Bruto (PIB), além de refletir sobre o crescimento e sobre as perspectivas da economia brasileira em 2010, principalmente depois das eleições.
Guilherme Delgado é doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que o senhor pensa sobre a notícia de que, ainda que os juros do setor público fiquem 5% abaixo do PIB, o custo atual chega a ser 13 vezes maior do que o investimento no Bolsa Família?
Guilherme Delgado - Talvez a questão seja um pouco magnificada pelo fato de se atribuir ao Bolsa Família uma importância orçamentária que ele não tem. O Bolsa Família corresponde a menos de 0,5% do PIB e tem, do ponto de vista orçamentário da política social, um peso menor. O peso dos direitos sociais medidos pelas contas nacionais de produto e renda, se considerarmos benefícios monetários em dinheiro e benefícios em espécie vinculados a direitos sociais e transferências, é de um quarto do PIB. Então, a comparação entre Bolsa Família e juros é influenciada pela propaganda, tanto do governo atual quanto do anterior, mas que não correspondem à magnitude que a política social de Estado tem. Quando comparamos o Bolsa Família com gastos macroeconônicos da dívida pública, que têm uma dimensão muito grande, aí sim faz sentido. Essa comparação reflete uma superdensidade de importância que a mídia atribui ao Bolsa Família, por razões políticas, ideológicas etc., e uma desconsideração para o que realmente é importante, que são os recursos vinculados a direitos sociais, ou seja, uma política de Estado, muito mais do que de governo.
IHU On-Line - Que percentual do PIB isso representa?
Guilherme Delgado - O superávit primário está na faixa de três pontos percentuais do PIB, que paga mais ou menos metade dos juros. Os juros estão na faixa de 5,5% a 6% do PIB. Mas temos o principal, que deve ser amortizado periodicamente. Então, o serviço de juros e amortização da dívida vai representando, periodicamente, uma faixa menor do que 10% do PIB, atualmente.
IHU On-Line - Quem ganha com isso?
Guilherme Delgado - A dívida pública está vinculada aos aplicadores financeiros em títulos. São as pessoas que têm riquezas suficientes para aplicar e fazer essa operação ser objeto de uma rolagem por parte do governo. Não é um gasto social que vá repercutir do ponto de vista de massas urbanas e rurais. O colega Márcio Pochmann fez um cálculo sob 15 mil famílias que seriam as beneficiárias deste gasto macroeconômico básico, que até já diminuiu recentemente por conta da queda de juros. Ela pode voltar a crescer se a dívida pública também voltar a crescer. Já a política social de Estado, aquela que está vinculada a pagamentos de benefícios da previdência, seguro desemprego, assistência social, sistema público de saúde, educação básica e de outras políticas sociais, é algo que repercute em milhões de brasileiros e propicia a formação de uma classe média baixa com acesso a direitos e com acesso a renda mínima de sobrevivência. Esse é o campo de análise e de problematização da política social. Este gasto social que está sendo mirado pela pátria financeira no sentido de ser reformulado, extinto, diminuído, não é o do Bolsa Família, que vai muito bem, obrigado, tanto na agenda do governo como na da oposição.
IHU On-Line - Como senhor vê as perspectivas de crescimento da economia para 2010 em relação à dívida pública?
Guilherme Delgado - Para o ano de 2010, o crescimento estará dentro de limites razoavelmente bons, acima de 5% do PIB. É sobre esse patamar que, no geral, estão trabalhando. Eu não vejo problemas em 2010, porque este ano tem uma conjuntura peculiar. O problema será depois da eleição, em relação às providências que podem ser adotadas no sentido de revisão da política social e previdenciária para acomodar esses interesses e essas demandas contraditórias entre política econômico-financeira e política social. No entanto, em 2010, pela agenda já lançada de investimentos públicos e pela dinâmica do próprio mercado interno, que é impelido fortemente pelo gasto social, a conjuntura aponta para um crescimento acima de 5%. O problema será depois do resultado das eleições.
IHU On-Line - O PMDB já está disputando os rumos do programa de Dilma. Como o senhor vê a ligação, cada vez mais forte, entre o PT e o PMDB?
Guilherme Delgado - O PMDB é o partido que fica dos dois lados, por isso está sempre no poder. O PMDB é importante como um partido representativo de um centro, de uma aliança de governabilidade, no sentido de facilitar a sucessão e o governo do próximo presidente. Acredito que se prevalecerem as tendências eleitorais que temos visto, com a Dilma em crescimento e com uma probabilidade de empate com o Serra, o PMDB vai majoritariamente para o campo da Dilma. Não por convicções ideológicas, mas porque está vislumbrando a possibilidade mais fácil de integrar o futuro governo. Essa é minha avaliação hoje, mas isso muda de acordo com a dinâmica eleitoral.
IHU On-Line - Qual seria a política de Lessa dentro do PMDB?
Guilherme Delgado - Lessa é um quadro acadêmico de longa data muito mais ligado a uma concepção e tradição de um PT clássico do que de um PMDB. Ele é um sujeito nacionalista. Sempre esteve ao lado das lutas pelos direitos sociais. Ele integrou, até recentemente, o PMDB, mas não sei se ele está tendo um papel protagônico nessa estruturação de programas e de ideias a respeito do futuro governo.
IHU On-Line - E como o senhor vê, então, o programa de Dilma?
Guilherme Delgado - Tenho curiosidade em ver, uma vez que ainda não se tem um programa concreto, já que ela é ainda pré-candidata. Ela está disputando uma convenção do partido. O que podemos captar vem dos discursos e da própria engenharia do PAC, como sendo as ideias da Dilma. Se pegarmos apenas esse lado do governo, ela corresponde àquela visão de uma política de Estado, com forte ênfase na construção da infraestrutura e da modernização econômica do país, com uma tendência nacionalista e de maior regulação pública. Dilma é uma keynesiana nesse sentido, que se diferencia do ideal neoliberal dos tucanos. Agora, do ponto de vista da sua orientação, a sua política de Estado, aquela que mencionei como sendo a política que vem da Constituição e hoje é favorecida pela valorização do salário mínimo e pela ampliação de alguns direitos sociais, não tenho tido notícia do posicionamento de Dilma. No ano passado, houve todo um debate sobre reforma tributária, mas o governo recuou. No fundo, não foi uma reforma urdida na Casa Civil, mas ainda assim não sabemos a posição desse órgão. Esse é um ponto que temos que questionar: qual é a visão de Dilma sobre reforma da previdência, sobre reforma tributária, sobre os programas de Estado de distribuição de renda? Porque ficar só no Bolsa Família é muito cômodo. O Bolsa Família é um programa que agrada o presidente Lula, que agrada o Banco Mundial e até o Serra. Agrada todo mundo.
Eu queria chamar atenção para o seguinte: Está se formando uma espécie de consenso por exclusão. Alguns temas entram no debate sucessório, e outros não. O Bolsa Família, por exemplo, entra, mas a questão agrária não está no debate presidencial. Já a questão ambiental até entra, porque está na moda, mas ela está muito ligada à questão agrária. Não se pode desvincular esses temas. Além disso, temos a questão de como se vai promover o desenvolvimento com mudanças na política de igualdade, atentando para sua manutenção e aprofundamento. Esses temas precisam ser mais cobrados dos candidatos.
Fonte: Adital
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